Numa entrevista, se não me engano, pro Actor’s Studio, Spielberg comentou que achava injusto com o público contar a história de um personagem durante o filme inteiro, fazer a plateia se envolver com o herói, se identificar com ele e, no final, matá-lo. Foram poucas semanas até que vi Sugarland Express e aquilo deu nó na minha cabeça. Custei a entender que isso era uma forma de ele dizer que as ideias mudam, mas isso só ficou claro pra mim quando, na versão remasterizada de E.T., o Extra-Terrestre, as armas dos policiais foram digitalmente substituídas por walkie-talkies. Demorei mais ainda pra conseguir dar nome ao que acontecia, mas outro dia encontrei: Spielberg estava ficando chato.
Não significa que os filmes tenham ficado chatos… ou alguns até tenham, mas ele fez chatices antes nesse sentido, como Além da eternidade, por exemplo. A chatice agora é outra e foi crescendo, tornando potenciais grandes filmes em filmes grandes, daqueles que você sai do cinema achando que poderia ter meia hora a menos ou que algumas cenas poderiam ficar melhores se fossem de outro modo. Sem preciosismos: poderiam ser de outro modo sem deixar de ser Spielberg. Pra entender isso fui estudar a filmografia dele e nasceram esses textos.
A grande virada está em A.I., Inteligência Artificial. Scorsese disse que todo mundo aprendia com o Kubrick e Spielberg não ficava atrás. Quando o iluminado morreu, deixou em produção a história do menino robô e quem melhor que o outrora menino prodígio de Hollywood pra dar conta do trabalho? E quase deu. Fez um filme com cara de Spielberg querendo ser Kubrick, uma boa homenagem… até o segundo final. Se tivesse parado no primeiro, era Kubrick. Foi mais longe do que deveria e virou Disney. Era um final desnecessário, mas quem ia dizer isso a ele?
Ainda na toada da ficção científica, faz o bom moço Tom Cruise encontrar bons vilões alienígenas que não tiram sangue dos terráqueos: o disparo transforma as pessoas em pó. Que bíblico, não? Será que o objetivo era fazer de Guerra dos mundos um filme infantil? Não conseguiu, o tema não deixa desde H.G. Wells e a história é clássica do público americano desde o rádio dos anos 1930, Spielberg não precisava querer inovar tanto. Acaba não sendo um filme ruim, mas faz pensar nos walkie-talkies do E.T.
O lado político também consegue ficar chato. Munique tem uma trama complexa e absurdamente interessante de política internacional. No entanto, e esse problema é recorrente nesse tipo de adaptação, não adianta querer contar tudo em duas ou três horas, é preciso fazer escolhas. Tudo bem, a culpa é do roteiro, não do diretor, mas o mesmo roteiro poderia ter resultado em um filme com mais ritmo. De todos os longas citados neste texto, talvez seja o mais difícil de apontar a falha, porque é um bom filme, mas perde no ritmo e isso, com esse olhar dos três textos, não tem como estar no do Spielberg adulto. Podem me apedrejar por isso…
…mas nem sonhem em discordar: Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal é uma porcaria. Não tem direção, herói, Cate Blanchett que salve. Uma porcaria. Nessa onda de fazer sequências, parece que alguém perguntou pro Spielberg de qual filme ele gostaria de fazer uma continuação e ele disse: todos! Esse não-filme é isso, um monte de tudo que não dá em nada. Até pedi desculpa pro meu pai quando saímos do cinema e tenho medo toda vez que leio sobre mais uma continuação.
E de repente vem aquele filme em que a luz muda na hora em que a câmera corta pra cara do herói, os olhos cheios de lágrimas e sobe a música piegas que John Williams sabe fazer quando precisa. Pronto, já estou chorando só de lembrar de Cavalo de guerra. Sabe aquela Sessão da Tarde especial pro dia das crianças ou pro dia dos animais? Não serve, é muito ruim. Se o livro era infantil, tinha que ter feito filme infantil, não filme piegas. Pela primeira vez desde a minha infância cogitei rever O pequeno príncipe pra confirmar se era tão chato mesmo.
Lincoln é outro perto de Munique. Tem bons momentos, mas nesse é mais fácil apontar os ufanismos. Daniel Day-Lewis, sem dúvida, é o melhor da história, mas até a fotografia de Kaminski peca pelo excesso. O mesmo ocorre com A ponte dos espiões, em que exageros tornam outra boa história um filme cansativo, como o pular de muro comparado ao pular de cerca. Em termos de mercado, esses dois têm o mérito de terem dado Oscar a atores pela primeira vez em filmes do diretor, mas a qualidade da obra não precisava ter caído por conta disso.
A importância de Steven Spielberg pro cinema não muda, mas ele podia continuar fazendo bons filmes. Vou continuar vendo no cinema tudo o que ele fizer, mas gostaria de ir com mais empolgação. Olhando pro futuro, alguns projetos fazem pensar nos bons tempos do passado e a vontade de ver de novo o Spielberg criança ou o adulto, porque o chato, que é o do presente, já cansou.