Como aspirante a jornalista, aprendi junto de uma editora de impresso com anos de bagagem a seguinte dica: evite o uso de ‘que’. Segundo ela, o ‘que’ é como se fosse um conectivo coringa, encaixa em vários sentidos, logo, empobrece e desmerece a escrita. Nas entrelinhas, quis dizer que um bom jornalista/escritor tem uma enorme gama de palavras a seu dispor para usufruir, ou seja, não precisamos de muletas rasas.
Lendo “Primeiro e Único”, de Emily Giffin, pela Editora Novo Conceito, essa lembrança rompia de tempos em tempos, não pelo excesso de ‘que’. Era outro conectivo, usado sem parcimônia. Ou melhor, foi usado em excesso, como se fosse vírgula, desmerecendo até o conteúdo escrito. Mesmo soando como um exagero, a constância me fez criar uma regra, a fim de homenagear minha mentora: já na literatura, evite o uso de ‘mas’.
Narrada em primeira pessoa, a trajetória de Shea é detalhada e profunda, além de esbarrar em questões interessantes, como um pai que abandonou a primeira mulher e filha, teve a segunda rebenta (a nossa protagonista) com a amante, largou ambas e voltou e ficou com a esposa inicial. Mas, o ponto de tensão/contrariedade envolve a melhor amiga, Lucy. O relacionamento de ambas oscila entre carinho, ciúmes, inveja e manipulação. A bem da verdade é essa quase irmã que funciona, na trama, como antagonista, isto é, como entrave ao “primeiro e único” amor.
Tal obstáculo fica bem nítido no início da história, nas primeiras páginas e linhas, durante o velório da mãe de Lucy, esposa do treinador Carr. Mesmo assim, essas condições tristes e fúnebres não impedem que vislumbremos um sentimento já existente entre o recém-viúvo e a garota apaixonada pelo futebol americano. Falando nisso, tudo ao redor da protagonista esbarra nessa paixão. No início, ela trabalha no departamento atlético da Walker, até que recebe a proposta de cobrir a temporada do time que ama, para um jornal, mas deve ser imparcial. Com a grande possibilidade de brilharem por terem um time fantástico, uma possível investigação a respeito de irregularidade na aquisição e na manutenção dos estudantes-atletas mantém o teor de dualidade ao caso.
Dessa forma, sempre nas oposições das situações, todas as impressões, maquinações e reflexões da narradora carregam sempre um ‘mas’, desde à amiga que se oporá firmemente ao relacionamento entre Shea e o pai, até os desafios de se enganar a ser neutra com o que escreve ou sente sobre o Walker. O livro vai detalhando, então, diversos acontecimentos como a troca de empregos junto das adaptações, o envolvimento com um professor fanfarrão e amigo dos tempos de escola, que só traz problemas, mas mesmo assim, ela não se afasta dele; e o namoro com um astro de futebol americano que tinha tudo para dar certo, mas ele tem um problema sério de conduta comprometedor.
Mas (honrando o estilo apresentado), a autora foi precisa nessa riqueza de detalhes, balanceada com o excesso da conjunção de adversidade. A cadência minuciosa dos fatos torna-se o elemento chave na necessária transição da história de amor. Primeiro, há uma admiração mútua e uma afinidade grande entre o treinador e a colega da filha. Aos poucos, os sentimentos vão ganhando outros contornos, até que não é possível negar. Ambos estão diante de um novo recomeço amoroso. Mas, para saber se e como ele se concretizará, é preciso embarcar nessa história de transformação.