O amor pelo cinema era tanto que algumas pessoas não se contentavam em ver apenas um filme. Com o crescimento do público houve também (lei de mercado) o aumento da oferta e algumas salas foram abertas perto de outras que já existiam. Embora muitos pensem o contrário, esta estratégia é ótima para agregar público, pois se em alguns caso rouba-se do concorrente ao lado, por outro, orienta-se o público de determinado produto ou serviço para uma região específica. No caso do cinema perto do cinema, o espectador afoito saía correndo pela rua depois de calcular o tempo que levaria entre as salas: por que ver apenas um filme se a programação poderia encaixar dois ou três?
Conforme a duração do programa, um lanche viria a calhar e essa ideia vem desde as feiras pré-cinema: a pipoca ou a maçã do amor, o pacote de balas ou o copo de refrigerante nasceram do conjunto propiciado pela quermesse, uma mistura de barulho e diversão em que todos os sentidos são contemplados. Aos olhos, além da mulher que vira macaco, das deformações da Sra. Peregrine ou do sonâmbulo de Caligari, havia o cinema. As outras barracas de entretenimento migraram para o circo ou integraram parques de diversões; o cinema foi morar sozinho, ou quase.
A primeira invasão na rotina das salas escuras foi a da bombonière, influência francesa, como o nome acusa. Talvez tenham nascido no mesmo café em que os Lumière exibiram os primeiros curtas, porque o mesmo nome é dado aos potes de guardar doces. Essas compoteiras podem ter saído das mesas dos clientes para a bancada do lado de fora e o nome foi junto. Fato é que um docinho ajudava na hora de ver notícias da guerra, filmes ruins ou mesmo melosos romances, ainda mais aos desacompanhados.
E daí se a pipoca nasceu na China? Foi nos Estados Unidos que ganhou o enorme mercado da sétima arte, quando um saquinho e um copinho de refrigerante se tornaram marca registrada de um bom filme, ainda mais a partir da era blockbuster. Houve até a história da Coca-cola e a propaganda subliminar, com a marca do refresco inserida entre os frames, de modo que a cada quadro dos 24 por segundo o inconsciente captava “Beba Coca-cola” ou “Coma pipoca”. Entrar no cinema abastecido já tinha se tornado norma, mas nesse caso teve fila na saída também.
Existem espectadores que não gostam de barulho na sala além daquele que o filme oferece e limitam sua participação na bombonière a um… bombom. Isso significa que muitas vezes comeram algo antes do filme, e os shoppings, não-lugares por excelência na antropologia global, detectaram rapidamente essa possibilidade. Cinema de shopping é o ápice do comodismo para quem sai de casa. O espaço das compras, dos lanches, das conversas é também o corredor para a sala escura. Bingo, o mundo todo pode se encontrar antes do filme. Ou depois.
Isso se torna ainda mais eficaz com o desenvolvimento dos multiplexes. A pergunta “o que tá passando no cinema?” chega até a desaparecer diante da afirmação “vamos ver um filme no shopping?”. Não importa o filme, porque desde que não seja Crepúsculo, que deve ser muito grande e por isso ocupa todas as salas do prédio, geralmente existem várias opções. O sujeito marca o encontro e já na fila (depois do lanche!) é que vai escolher o filme. E se não tiver nada interessante em cartaz, tanto faz, porque quem gosta de cinema vê de tudo, não vê?
E não importa se um shopping foi criado e abrigou as salas de cinema ou um enorme complexo cinematográfico inclui lanchonetes e bares e livrarias especializadas: o filme nunca vem sozinho. É uma estratégia de conforto sair de casa para encontrar amigos e discutir um filme, seja no aconchegante café ao lado da sala ou na lanchonete barulhenta do outro lado do shopping. Fato é que o filme não acaba quando as luzes da sala se acendem. Nessa sociedade repleta de estímulos e compromissos, o cinema encontrou parceiros para tirar as pessoas de casa.
O romantismo das salas de rua com o pipoqueiro na porta se esvai diante da enormidade de luzes e sons no entretenimento indoor, mas as pessoas precisam ir de carro, precisam justificar sua saída de casa com mais do que um filme, precisam, na sociedade do espetáculo, se mostrar também, e o shopping se torna a passarela ideal para todo tipo de grupo, ainda mais se estiver saindo de um filme que fale para os seus.