Há sempre uma grande questão em que cinéfilos em geral gostam de pontuar quando tentam comparar e diferenciar o cinema americano e o europeu: a questão da sensibilidade narrativa e a preocupação maior com a estética do que com os valores comerciais de sua obra. E Ida, de Pawel Pawlikowiski é um desses filmes que aumentam essa percepção, pois se centra em uma simples abordagem sobre a entrada na vida adulta, escolhas e dúvidas, porém com o que o cinema europeu tem de mais especial, que são a narrativa lírica e expansiva, que sem forçar acabar por introduzir outros temas, estética aguçada e uma capacidade incrível de cativar o público, mesmo sem um grande apelo comercial.
A jovem noviça Ida (Agata Trzebuchowska) está prestes a fazer os votos definitivos para assim se tornar uma freira. Mas, como é de praxe, precisa sair do convento e ir visitar a família para refletir sobre se o passo será o certo ou o errado. Ela se encontra apenas com uma tia, a juíza Wanda Cruz (Agata Kulesza), que visto Ida, ou Anna, como ela revelou ser o verdadeiro nome da moça, apenas bebê. Além disso, também revela que os pais da menina eram judeus e foram capturados e mortos pelo nazismo durante a Segunda Guerra. As duas embarcam em uma pequena viagem pelo interior do país em busca da verdade sobre a família e também sobre o que cada uma espera de seu futuro.
O que toca de verdade nesta obra de Pawel Pawlikowiski não é o tema em si, mas a forma como ele consegue fazer o filme exalar os mais diversos sentimentos desde os créditos iniciais até seu desfecho. O roteiro parece um conto folclórico de um ritual de passagem, simplório e comum, mas aos poucos sentimos um poder avassalador que nos suga para a melancolia de um país caótico, em dúvidas sobre sua reconstrução após ser um dos centros da grande guerra. Há também a menina, sua tia, e medo que cada uma sente. Ida/Anna teme estar escolhendo errado, enquanto Wanda não sabe como viverá com os erros, que cometeu em um passado não tão distante, e que se intensificaram com a chegada da sobrinha.
O diretor se mostra um mestre em criar ambientes em que uma visão universal dos sentimentos busca uma auto-explicação, mesmo que na maioria das vezes isso não seja possível. Em seu primeiro e mais famoso filme até então, Meu amor de Verão (2003), ele também nos faz mergulhar na relação de descoberta do amor entre duas garotas, porém, como aqui, há uma personagem frágil, que se sente perdida, e o desfecho parece não depender da vontade do roteiro. Sua categórica emissão de ritmos emocionais e simbolismos sociais e religiosos, muito mais forte aqui devido ao tema, dão um tom incrivelmente reflexivo à sua obra.
Assim como no filme citado, o grande trunfo de Pawlikowiski está na forma como emprega a estética para criar tantas dúvidas em que assisti, quanto em suas personagens. Mais aqui, ao invés da fotografia de Ryszard Lenczewski (neste em parceira com Lucasz Zal) se utilizar de uma paleta de cores saturadas como em Meu Amor de Verão, ela traz um preto e branco fosco, quase sem vida, e sempre com as interrogações de Ida e sua expressão inerte. Todas as experiências pela qual a mocinha passar a sentiremos inevitavelmente como algo comum às nossas vidas. Um brilhantismo devidamente indicado ao Oscar de melhor fotografia.
Claro que ao fim de seus pouquíssimos oitenta minutos possamos não compartilhar da mesma decisão de Ida, porém, talvez seja este a grande maravilha do cinema de Pawlikowiski, nos impor uma vivência em terceira pessoa, amar, chorar, viajar, mas no fim, nos mostrar que se trata de uma obra cinematográfica, em que o fim, não é você que faz. E isso nos faz esperar por mais, é único e extraordinário. Talvez seja isso que seja o teor que o cinema europeu (de qualidade) tenha e que faça os cinéfilos o diferenciarem do americano, e mesmo que alguns lá pelos lados do Tio Sam consigam um pouco dessa magia, linguagem cinematográfica é algo que não se aprende tão facilmente.
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