De vez em quando o mundo nos oferece algumas opções cruéis: escolher o melhor sorvete diante de todos que você quer; esperar para almoçar a comida da vovó em casa ou comer coxinha na rua; casar ou comprar uma bicicleta. Quando vi que iam lançar a versão romanceada da sensacional Guerra Civil, uma das melhores sagas dos quadrinhos dos últimos tempos, fiquei ressabiado: será que vai alcançar o que foi a história para os quadrinhos? Até hoje, e o leitor Marvel pode confirmar, tudo o que aconteceu naquele ano ainda repercute. Como reler a história sem os desenhos?
Quem resolveu esse problema, pelo menos para mim, foram quatro alunos, que me presentearam com o livro no Natal. Estava flertando com a obra enquanto fazia a lista de prós e contras. Com ele em mãos e a lista no lixo, o segundo problema quem resolveu foi Stuart Moore: não se contentou em escrever a saga, mas em recontá-la através de outros olhos, o que apresenta novas informações, minúcias de bastidores das quais conhecemos apenas as consequências nos quadrinhos, emoções mais conflitantes que os curtos balões de pensamento nos permitem acompanhar.
Uma rápida sinopse aos desavisados (não se culpem por isso, mas tenham remorso por pararem por aqui): num universo repleto de super-heróis, alguns acabam relegados ao esquecimento, o que foi o caso dos Novos Guerreiros. Em busca de fama, toparam realizar um reality show em que caçavam super-vilões e numa das tentativas encontraram areia demais para o caminhãozinho: perto de uma escola, em Stamford, encontraram um grupo no qual estava Nitro, capaz de se detonar. E assim fez, diante das câmeras, matando centenas de crianças.
Foi o estopim para a criação da Lei de Registro de Super-Humanos: todos os heróis deveriam ser registrados, treinados e autorizados a agir. E não apenas heróis: vilões poderiam ser perdoados. Do lado da Lei está o Homem de Ferro, ou melhor, Tony Stark com todo o seu poder político, e o carisma de que precisa vem na figura de seu mais novo melhor amigo: Peter Parker, o Homem-Aranha. Do outro lado, em busca da liberdade de cada cidadão, o Capitão América, personagem sem muito valor desde a Segunda Guerra, razão pela qual a Marvel, literalmente, o colocou na geladeira.
Se nos quadrinhos todas as revistas, dos mutantes (que preferem não se envolver) aos Vingadores, sejam eles quem forem a partir desse racha, sentem as tensões entre humanos e supers, no livro de Moore o mais interessante se dá pelo olhar da narração: cada capítulo é mostrado a partir de um dos diferentes protagonistas. Além da dupla Homem de Ferro e Capitão América, outros dois heróis carregam sacos de emoções que não podem ser derramadas nos quadrinhos: Homem-Aranha, entre a Lei e a liberdade, toma decisões que parecem acertadas, mas se esquece de pensar em algumas consequências. Os pensamentos também confusos são os de Susan (ex-Storm) Richards, do Quarteto Fantástico, que acaba deixada para segundo plano pelo marido, Reed Richards, ocupado em ajudar Tony Stark.
O leitor também entra na cabeça de outros personagens, mas são esses os quatro que guiam pelas passagens escuras entre as decisões tomadas pelos poderosos. Decisões que afetam a política norte-americana e a vida dos cidadãos, mas também geram mudanças pessoais nas jornadas dos heróis. A morte é sempre um baque, e se a sociedade se chocou com as várias mortes na escola em Stamford, não é a única vez que a moça da foice se mostra em Guerra Civil.
Enquanto aguarda a versão para cinema, dentro da mega-franquia Marvel que agora tem o Homem-Aranha, o leitor pode retomar seus quadrinhos ou seguir pelo ritmo acelerado do livro Guerra Civil. São duas formas diferentes de se contar a mesma história, até se completando. Bola dentro da Marvel, mais uma nesse mundo bem sucedido de estratégias de marketing. E que venham também as boas histórias (estão em escassas nesse universo recentemente).