O segundo romance do paranaense Marcos Peres instiga pelo título, pela trama e pela capa, prédios numa noite, mas impressos de lado, o que gera estranhamento, como em algumas situações da história. O título também traz curiosidade: quem é a Juliana Klein ali referida? A resposta para a pergunta do título está justamente na solução para esta outra dúvida, que conduz leitor e protagonista ao longo de todo o livro publicado pela Record, e os leva a lugares da capital paranaense, num texto que remete aos espaços para quem os conhece, ou faz imaginar, sobretudo o casarão.
O elemento condutor é a dualidade entre Koch e Klein, duas famílias alemãs que vieram para Curitiba por razões distintas e trouxeram seus conflitos germânicos para solo tupiniquim. Heinrich Kock e Arkadius Klein eram indiferentes um para o outro, até que questões envolvendo, acima de tudo, orgulho, os colocaram em campos opostos de uma guerra de poucas e pontuais ações, em que as reverberações eram sentidas e comentadas por tempo e espaço.
Até se chegar a Gabriela e Adam, os mais jovens das duas famílias, são gerações e rancores que atravessaram o Atlântico e vieram desembarcar em Curitiba, trazidos por um deus ex-machina cujo sobrenome pode tanto ser Koch quanto Klein. Das picuinhas alemãs entre amores e comércio se desenvolve, no Brasil, um outro tipo de embate, o acadêmico. Professores em universidades distintas em cursos de Filosofia, Klein, a partir do pensamento nietzscheano de Juliana, impera na Universidade Federam do Paraná enquanto Koch, com Franz, reina na PUC local.
Para acompanhar tudo, não é suficiente investigar as ações que ocorrem em 2005 (um assassinato assumido), 2008 (um desaparecimento, possível assassinato) e 2011 (outro assassinato), sempre envolvendo as duas famílias: é fundamental penetrar nessas famílias e perceber seus comportamentos com raciocínio psicológico e antropológico. E notar que existe um empilhamento de conflitos, pois disputas acadêmicas podem, por vezes, gerar mais rancor que ofensas pessoais (Foucault e Derrida, por exemplo: discípulo e mestre travaram discordâncias publicadas, continuadas por seguidores depois das mortes dos protagonistas).
Mais perdido que cego em tiroteio, entra na história Irineu, delegado de Maringá, que viaja para a capital nesses três momentos para acompanhar a trama. Pouco entendedor de Filosofia ou de família, sofre e erra ao longo dos momentos de investigação, exagera nas suspeitas e chega a ser processado por uma das famílias. Inevitavelmente, como o leitor percebe, acaba se envolvendo demais na trama e de certo modo traz para si um pouco do orgulho que conduz as duas famílias e o projeta no trabalho: precisa concluir tudo aquilo para ficar satisfeito e há sempre a peculiar pulga atrás da orelha do bom investigador dizendo que algo não se encaixa.
As peças, nesse caso, poderiam ser apresentadas de modo linear, como sugerido no prefácio, mas a opção por misturar os tempos, exercício difícil por requerer total domínio da narrativa, lança o leitor, como faz com Irineu, para lados confusos. Em alguns poucos momentos, confusos demais, o que diminui o ritmo da leitura perto do meio, mas há logo uma recuperação e a expectativa de se saber o que vem a seguir mantém o livro aberto e as páginas, como o ódio pelos dois lados da família, em movimento.
De acordo com Zenão de Eleia, na comparação que faz com Aquiles, a tartaruga nunca completa todo o trajeto, pois para completar o percurso, precisa, antes, cumprir a metade desse percurso; quando chega na metade, antes de cumprir a outra metade, tem que percorrer a metade desta metade e assim sucessivamente. Irineu é essa tartaruga? Ou o leitor é essa tartaruga? As dúvidas saltam o tempo todo e questões comportamentais, ilustradas com discussões filosóficas didáticas (ou Irineu se perde nelas), conduzem a leitura que carrega o tempo todo a mesma dúvida, por vezes, como ao se estudar Filosofia, com a ilusão de que a resposta foi encontrada: que fim levou Juliana Klein?