DIRETOR EXEMPLAR | KINOS

Garota Exemplar
Garota Exemplar

Gillian Flynn foi aluna caxias nas aulas de escrita criativa. Nem sei se fez algum curso, mas soube usar as fรณrmulas da boa escrita pra construir e romper com alguns padrรตes de thriller atual. A cada capรญtulo de seu livro Garota exemplar, mantรฉm o leitor preocupado com os dois lados da histรณria: o narrador do capรญtulo (marido que fica ou diรกrio da esposa desaparecida) e o outro lado do casal. O tempo todo, ela parece ter um olho no peixe e outro no gato.

Quando o filme, que parecia desde o inรญcio inevitรกvel, acontece, รฉ a prรณpria autora, desacostumada com os trรขmites, que faz a adaptaรงรฃo ao roteirizar a histรณria. Mantรฉm a opรงรฃo por situar o espectador quanto aos dias que se passaram do desaparecimento de Amy, assim como suprime personagens que no livro se tornam enriquecedores, mas sobrariam no cinema. A dupla de policiais, mais equilibrada no livro, tem nรญtida hierarquia no longa, assim como desaparece a esposa do advogado. Sรณ nรฃo some o narrador.

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Cada capรญtulo do livro comeรงa com o nome do narrador e a localizaรงรฃo temporal: Trรชs dias sumida, cinco dias sumidaโ€ฆ Essa troca aprimora a tensรฃo narrativa do livro, pois um capรญtulo completa o outro, mesmo com partes distantes no tempo. Se o narrador-cรดnjuge situa o espectador, o letreiro se torna desnecessรกrio, o que nos leva ao grande mรฉrito do filme: David Fincher.

Quando ao espectador รฉ informada a distรขncia do desaparecimento, a princรญpio a informaรงรฃo parece ser relevante. No inรญcio atรฉ passa como tal, mas as escolhas de Fincher fazem de cada trecho um capรญtulo, cuja aprentaรงรฃo seguinte se faz tรฃo irrelevante que รฉ, vรกrias vezes, ignorada. Os fades ao final de algumas partes contribuem pra gerar expectativa e apontar a transiรงรฃo de pontos de vista. Sรฃo capรญtulos bem claros, apresentados pela montagem de Kirk Baxter: um livro filmado.

O tempo dos acontecimentos รฉ, a partir do momento em que comeรงam a se intrincar, mostrado pelos prรณprios problemas na investigaรงรฃo e isso รฉ suficiente pra deixar claro o pรฉ em que se encontra a trama. Uma revelaรงรฃo chama outras informaรงรตes e elas entram, como no livro, pra aprimorar o passado de Amy e Elliot e tornar a investigaรงรฃo uma bola de bilhar, que quica em diferentes pontos da mesa e a cada direรงรฃo esbarra em novos obstรกculos. Principalmente pelo acompanhamento midiรกtico, seja com notas na TV ou declaraรงรตes dos envolvidos, sabe-se exatamente o que aconteceu atรฉ entรฃo. E o espectador, como o leitor, sabe o que precisam saber para seguir.

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Com pleno domรญnio do que acontece, Fincher conduz um Ben Affleck com cara de Ben Affleck, que รฉ quase sufocado pela irmรฃ, Carrie Coon ร  vontade no papel. Kim Dickens tambรฉm nรฃo deixa o pรบblico carente ao interpretar a incisiva Rhonda Boney. A intensidade do elenco, no entanto, cabe a Rosamund Pike, uma Amy exemplar. Com olhares, gestos, inflexรตes, sorrisos e emoรงรตes minuciosos, a garota faz juz ao tรญtulo e se torna a cereja de um bolo colocada minuciosamente no lugar certo pelo chef.

A trilha sonora incomoda e tem que incomodar. Nos momentos da vida passada do casal, a melodia quase monocรณrdica chega a irritar os ouvidos mais atentos e cresce com a histรณria. Mais que uma trilha de conflitos, com viradas e soluรงรตes entusiasmadas, a mรบsica acompanha a tensรฃo e move-se lentamente, como รฉ conveniente ao estilo apresentado por Fincher.

A fotografia em tons mais escuros completa o clima quase noir da histรณria, que tem no bom filme o ritmo fragmentado do livro. Uma adaptaรงรฃo รฉ uma nova obra, e nรฃo diminui seu valor ter no roteirista o autor do livro em que se baseia, mas, se Flynn parece ter reconhecido e superado fรณrmulas pra escrever o livro, apegou-se demais ร s instruรงรตes sobre mudar de linguagem. ร‰ um bom roteiro, mas a quem conhece o livro, torna-se uma versรฃo pouco inovadora. ร‰ correta e cresce nas mรฃos de Fincher.

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