Fazer uma crítica nem sempre é fácil. Death Stranding certamente foi um dos meus maiores desafios em mais de 20 anos de jogador, e eu explico alguns dos motivos: primeiramente ao ter de lidar com todo o hype criado em cima da produção do aclamado Hideo Kojima, criador da série Metal Gear, não foi algo simples. Além disso, compreender o que esse gênio quis passar para os jogadores por meio de uma obra tão complexa e bastante densa, repleta de história (e que história), personagens (ponto altíssimo do game) e muitas conexões, requer paciência e, sinceramente, reflexão. E, por último, mas não menos importante, tentar me desligar da admiração que tenho por Kojima e a franquia Metal Gear. Afinal de contas, consciente e inconscientemente procuramos repetições e traços familiares à nossa percepção. Já adianto que, no geral, Death Stranding vai além de tudo que foi visto antes.
Certamente você que chegou até aqui está aflito querendo saber mais detalhes desse jogo tão misterioso. Mas fique tranquilo. Essa crítica não dará spoilers sobre a narrativa, e se focará em analisar o game de uma maneira geral, explicando o que você vai encontrar nessa grande (e insana) aventura sobre pessoas e conexões. Se prepare e venha comigo conhecer Death Stranding, em mais uma crítica do Jornada Geek!
“Walk simulator?”
Uma das coisas mais rasteiras que andam circulando na internet desde a divulgação de mais informações de Death Stranding são os apelidos. “Sedex simulator“, “Walk simulator” e “Paper Boy” são só alguns dos títulos dados a obra de Kojima. Há sim certo sentido pra isso, mas a coisa vai além. Eu explico: no jogo, você encarna Sam Porter Bridges, com a belíssima atuação de Norman Reedus, conhecido por seu papel de Daryl Dixon em The Walking Dead. Sam vive em um mundo completamente quebrado, em que os Estados Unidos da América já não é mais uma república, mas a UCA: United Cities of America (Cidades Unidas da América, em tradução literal), sendo uma clara alusão ao país (e até mesmo a sua atual situação política e social não só de lá, mas do mundo todo).
Seu papel é, basicamente, o de um “entregador”. Claro, não é tão simples assim e com o desenrolar da trama, as coisas vão tomando forma. A cada entrega executada e a cada vínculo feito com os diversos personagens, Sam conecta as cidades e pontos isolados a uma Rede Quiral, algo muito semelhante com a nossa internet. Essa espécie de conexão compartilha uma série de conhecimentos mas, ao mesmo tempo, parece vigiar cada um dos membros interligados, lembrando bastante (dentro das proporções, claro) o “Big Brother” da obra 1984, de George Orwell. Na obra, o “Grande Irmão” “tudo vê” e “por todos zela”. Agora, imagine se a tal poder de acesso cai nas mãos erradas? É, o jogo te faz pensar demais nele mesmo e no mundo ao redor.
Mas voltando a grande questão do jogo ser ou não um “Walk Simulator“. Death Stranding realmente te faz andar por longos e acidentados caminhos. Aliás, caminhos maravilhosos. Mas anime-se: você pode utilizar modelos limitados de veículos que podem ajudar a agilizar (e muito) as entregas. Mas, de qualquer forma, se prepare para andar, pois alguns terrenos são desafiadores e inacessíveis por veículos. Nesse ponto, alguns jogadores podem se irritar, pois tais “fretes” acabam por se repetir ao longo do gameplay, tornando-o por alguns momentos em uma experiência morna. E é frustrante quando destruímos ou fracassamos em uma entrega e temos que reavaliar toda a nossa rota e formas de transporte. Particularmente, para mim, o legal de Death Stranding está justamente nessa necessidade de se calcular toda a rota e as formas de fazê-la. Sim, tem hora que você quer ação, mas a experiência de andar pelos mais variados biomas é contemplativa. Porém, ao mesmo tempo, entendo a frustração de alguns. E isso me faz refletir algo: será que não estamos tão habituados a experiências demasiadamente imediatas? Enfim, só divagando. Mas fica a questão.
A jogabilidade é bastante simples e intuitiva, sendo explicada a cada novidade que surge (armas, apetrechos e etc.). A física é bacana e te fará trabalhar com toda a carga que Sam carregará. Pra se ter ideia, você terá que lidar com o equilíbrio do personagem ao longo dos percursos, e isso será possível através dos botões R2 e L2. E não, não é nada extremamente difícil, mas não espere também que será moleza transportar 200 kgs de tranqueira sem que isso influencie a jogabilidade. Seja razoável e calcule os riscos e o peso.
“Mas você só anda? Onde está a ação?”
Em Death Stranding as coisas vão além das andanças e conexões. Na verdade, você luta o tempo todo com a vida e… com a morte! Sim, a morte! As chamadas EPs são entidades que desencarnaram, mas seguem presas à vida terrena. Em diversas áreas, elas te perseguirão e darão um trabalhinho legal. Mas é só evitá-las ao máximo que tudo corre bem. E para detectá-las, entra a coisa mais fofa desse jogo: BB! Sim, aquele bebezinho que fica ligado a Sam e que apareceu por diversas vezes nos trailers é o responsável por detectar e tornar visíveis as assombrações.
Como se não bastasse ter de lidar com os mortos, os vivos também trazem problemas e em duas versões diferentes: os MULE e os Homo Demens ou, simplesmente, terroristas. Os primeiros são acumuladores e ladrões que vivem espalhados pelos territórios da UCA. Todavia, estes não utilizam armas letais, e o combate corporal já consegue dar conta. Os Homo Demens, terroristas que discordam com a expansão da Rede Quiral e, literalmente, tocam o terror: usam armas letais e te rastreiam e caçam, sobretudo se passar por dentro do território deles. Portanto, tome cuidado!
Mas matar não é uma opção viável em Death Stranding. Caso você utilize armas letais e assassine os inimigos, o risco de existirem mais zonas de EPs é maior, algo que poderá trazer problemas ao longo da longa narrativa. Como eu disse, passar por essas zonas é trabalhoso e pode facilmente acabar com uma entrega. Nesse ponto, a obra de Kojima se afasta do que é convencional, fazendo o jogador pensar nas possibilidades de ação ao longo do enredo, tendo várias de suas ações relação direta com o que está por vir. Passado, presente e futuro estão diretamente ligados e a lei da ação e reação pode ser observada aqui.
Compartilhe (e curta) o mundo com os outros
Uma das coisas mais legais que pude notar em Death Stranding é a interação dos jogadores e os mapas. Não, você não encontra ninguém no caminho, mas tem acesso a uma variedade de construções e apetrechos deixados por outros jogadores ao longo do vasto mapa. Pontes que auxiliam a travessia de um profundo e nervoso rio, escadas e cordas de escalada em terrenos montanhosos, caixas postais em que é possível compartilhar diversos itens, torres de observação, placas de sinalização para auxiliar o trajeto, etc.
Death Stranding deve ser jogado online justamente por causa dessas interações. Estamos todos conectados neste louco mundo criado por Hideo Kojima. E o mais engraçado disso tudo é que você pode “curtir” cada construção encontrada. Sim, curtidas como fazemos no Facebook! Isso mostra a gratidão por encontrar uma construção em um local onde as coisas podem apertar. Um exemplo bastante comum é quando as chuvas temporais castigam o jogador e vão corroendo seus itens e, no meio do nada, alguém deixou construído um abrigo para se proteger e restaurar a carga. Ou quando a bateria de seu veículo está prestes a acabar e você acha um ponto de recarga. Nossa, é um alívio danado. Curtida é pouco pra esses “anjos” que tornam o caminho muito mais fácil.
Nessas construções, é possível que você auxilie entregando materiais para a manutenção, já que a ação do tempo vai deteriorando as estruturas. O jogo cria uma comunidade que se ajuda de forma mútua para chegar ao mesmo objetivo, sendo uma experiência interessantíssima, mesmo para um jogo tecnicamente single player. Aproveite e construa estruturas para se ajudar e ajudar aos que virão ao mundo de Death Stranding!
Muito mais que um jogo
Desde que Death Stranding foi anunciado em anunciado oficialmente durante a conferência de imprensa da Sony na E3 de 2016, muitas perguntas surgiram, sobretudo após a conturbada saída de Kojima da Konami. Desde então, a cada novidade, a comunidade ficava insana e cheia de dúvidas. Como fã do japonês, confesso ter ficado animado com todo o reboliço causado desde então.
Mas o que me deixou ainda mais motivado foi ver a presença de atores como o já citado Norman Reedus; a atriz Léa Seydoux conhecida pelos filmes Bastardos Inglórios, Meia-Noite Em Paris, Missão Impossível: Protocolo Fantasma e Azul É A Cor Mais Quente; Troy Baker, dublador que dá não só a voz, mas também a face de um dos personagens, conhecido por dar a voz a personagens como Talion em Terra-Média: Sombras de Mordor, Joel em The Last of Us, Pagan Min em Far Cry 4 e Ocelot em Metal Gear Solid V: The Phantom Pain; o diretor e ganhador do Oscar Guillermo del Toro, que empresta suas feições para o personagem Deadman; Mads Mikkelsen, conhecido por interpretar o lendário Hannibal Lecter na série Hanibal, e tantos outros. Inclusive Conan O’Brien faz uma participação especial, algo noticiado recentemente. Ou seja, espere encontrar alguns rostos conhecidos.
Nesse ponto, a captação das faces em 3D ficou sensacional. Os movimentos são muito bem definidos, sobretudo em cada uma das variadas cutscenes. Em vários momentos, o jogo se confunde com um filme, tamanha a preocupação em cada cena e, mais ainda, com a trama. Os diálogos se fundem perfeitamente bem com a narrativa, tornando a experiência em algo único. Sou suspeito pra falar, visto que em toda santa crítica prezo por falar (positivamente ou não), da história. E, sem entrar em muitos detalhes, posso dizer que subir e descer morros, entregar cargas pesadas a pé ou em veículos, se estressar com as dificuldades dos caminhos, tudo isso, vale muito a pena. A gente se apega aos personagens, que contam com um bom apelo emotivo. Aliás, como não amar BB que, ao ser ninado, solta bolhinhas em forma de coração e sorri para o sisudo Sam? Um ponto legal é poder ouvir o choro do bebê a partir do DualShock e com isso fazer a movimentação com o controle e colocá-lo pra dormir. Pequenos detalhes que nos conectam ainda mais com a ideia de Kojima.
Tais aspectos tornam Death Stranding em uma experiência muito maior que mero entretenimento. Falar sobre conexões e, mais do que isso, nos conectar a pessoas que muito provavelmente nunca veremos, é algo bonito. Mais interessante ainda é poder jogar e simultaneamente estar dentro de um filme digno de Hollywood. Aliás, Hideo Kojima pode facilmente ser um diretor de cinema, sendo inclusive elogiado por George Miller, diretor de Mad Max: Rota da Fúria.
Alguns pontos que merecem ser analisados
Tentarei elencar aqui os que me deram certo desconforto e outros que devem ser ressaltados de forma geral. Embora o jogo seja sim uma obra-prima, ele tem seus problemas. Para mim, o maior deles, sem sombra de dúvidas, foi a física dos veículos. Carros e motos que agarram na menor pedrinha possível irritam demais. Várias vezes tive o desprazer também de ficar agarrado em uma pedra, sendo terrível ter de descer do veículo, já inutilizado, e seguir viagem com uma carga pesadíssima.
Aliás, sempre tenha consigo os tratores (carrinhos de transporte), pois eles serão úteis onde os veículos falharem. Sinceramente, no final acabei aceitando a sina de me estrepar com minha motoca e simplesmente fiz as entregas a pé, contemplando a vista e fugindo dos conflitos com os humanos e as EPs. Sinceramente, nesse ponto o jogo poderia dar uma melhorada. Ou talvez essa tenha sido a ideia de Kojima, ao tornar os caminhos de Death Stranding cada vez mais tortuosos e repletos de pedregulhos.
Outra questão que pode irritar alguns e que eu abordei brevemente ao longo desta crítica são as incontáveis entregas. Para alguns, isso pode se tornar meio monótono e, para os mais apressadinhos, frustrante. Aliás, o ritmo dos primeiros capítulos é bem lento e explicativo, podendo ser um pouco entediante. Sinceramente, concordo com o diretor da Sony que disse recentemente que o jogo “parece estar começando mesmo depois de 10 horas”. Vocês certamente terão essa sensação. E, francamente, achei isso excelente! Há sempre uma novidade aparecendo para aprimorar a jogabilidade e a vida do nosso pobre Sam.
No mais, pode-se dizer que a experiência dentro de Death Stranding é bem dividida entre momentos de ação e de conexão com os personagens e com o próprio mundo em que se caminha. Os mapas são tão bem desenhados que a nossa vista se perde por eles, sendo gostoso circular por eles sem muito compromisso. De desertos a neve pesada, Sam parece rodar por todo o mundo, e não pela UCA. Muito provavelmente essa seja uma metáfora de Kojima…
Veredito
Mesclando excelente jogabilidade e uma trama de arrancar lágrimas, Death Stranding mostra, mais uma vez, o motivo por qual amamos Hideo Kojima: o jogo trata de assuntos contemporâneos de uma forma leve e que, provavelmente, poucas pessoas perceberão. Sim, Death Stranding é um jogo de certo teor político, quer você aceite ou não, e o próprio criador já deixou isso claro. Mais do que político, é um jogo que fala sobre a vida na atualidade, as conexões, os prós e contras de se estar digitalmente conectado a uma rede. A conexão entre pessoas é extremamente abordada em toda a narrativa e isso cativa ao jogador a ir além. “O que virá depois?”, eu me perguntava em longas jogatinas de 8 horas, lutando bravamente contra o sono.
Ainda sobre a jogabilidade, os menus são de fácil acesso, e o jogo é todo explicado, contando inclusive com menu específico que explica a utilidade de cada arma ou acessório. Como se não bastasse, é bom ficar de olho aos e-mails que vão chegando, pois eles também contam com dicas valiosas. Cada detalhe em Death Stranding faz toda a diferença. Cada estrada concluída, cada ponte construída, tudo. Se conecte a esse mundo, aos outros jogadores e personagens e aproveite ao máximo dessas experiência. Ao iniciar essa jornada, esqueça as obras anteriores de Kojima e esqueça também as outras experiências. Vá aberto e tenha paciência. Aprenda com o jogo e se concentre. Se envolva, se conecte. Tudo valerá a pena no final (terminei com 37 horas), mesmo com alguns contratempos e falhas. Tudo ditado por uma trilha sonora de tirar o fôlego!
Com opção de dublagem em português, Death Stranding será lançado na próxima sexta-feira, 8, para PlayStation 4 por R$ 249,00. Além disso, a Kojima Productions confirmou, nesta semana, que o título sairá para PCs no meio de 2020, publicado pela 505 Games.
*Cópia fornecida pela desenvolvedora.