Quando um livro chega acompanhado de um fone, você tem que ouvir. Foi esta a melhor experiência de A playlist de Hayden, da americana Michelle Falkoff, uma provável nerd. Sim, porque conhecer tantas bandas indies e colocá-las de modo tão natural para personagens adolescentes de uma história de início deveras macabro não pode ser fruto de um estudo de última hora.
Para quem não conhece as bandas, a editora Novo Conceito preparou uma página com toda a playlist disponível no formato de vídeo (ou quase, porque alguns donos de clipes foram egoístas e tiraram o material do ar), basta clicar em www.aplaylistdehayden.com.br e escolher a música conforme o capítulo. O livro fica mais interessante quando as músicas são conhecidas, ou mesmo ouvidas enquanto se lê, desde que o leitor tenha atenção dividida. No entanto, vale destacar: boa parte das razões dessas músicas estarem na playlist se deve às letras, por isso é importante ter atenção a elas.
Mesmo assim, o livro não precisa de estudo das letras ou das bandas para ser compreendido. Quem abrir o exemplar sem conhecer as bandas e sem pesquisar na internet segue a história numa boa. Confesso ter aprendido uma ou outra boa banda ao ouvir as músicas sugeridas e depois procurar por algo mais do que têm a oferecer. Em alguns casos, o melhor estava ali, mas nem sempre, por isso, como a editora recomenda, ouça as músicas.
Estamos aqui, claro, para falar de Hayden, e não apenas de sua playlist… Só que Hayden morreu. O livro começa com seu melhor amigo, Sam, encontrando-o morto no quarto após uma festa. Hayden nunca gostou de festas, sempre foi o menino gordo e nerd ignorado pela turma ‘legal’ da escola. Seu único amigo, aparentemente, sempre foi Sam, que mesmo quando discordava de Hayden permitia que isso acontecesse com debate.
Algumas das maiores discussões entre os amigos giravam em torno de bandas que um ou outro curtia, com acordos nem sempre fáceis, por vezes levando dias até que um (geralmente Sam) cedesse ao outro. Não foi em vão que Hayden deixou uma playlist para que o amigo compreendesse as razões de sua morte, de seu suicídio. E junto com a playlist, deixou outras tantas situações que Sam considerou, a princípio, insólitas.
Hayden tinha uma amiga, para início de conversa, e Sam não sabia. Hayden também estabelecia, sem que Sam percebesse, uma conversa paralela com outro personagem do jogo que compartilhavam, o Mage Warfare, uma espécie de Warcraft em que cada um cria e vive o personagem que quer, incluindo valores e ações. Muitas das boas e longas conversas online que Sam tinha com Hayden eram por ali, mas ele não percebia que algo mais acontecia naquele mundo mágico.
Isso faz lembrar a matéria Suicídio.com, de Eliane Brum, publicada na revista Época. O foco é a história de um menino cujos sintomas suicidas são ocultos do psicólogo e da família porque ele tem um diálogo paralelo com o mundo através da internet, e por ali encontra o meio de se matar. Não é o caso de Hayden, que acaba envolto em uma narrativa menos trágica nas mãos de Falkoff, pois o desenrolar foca-se mais na superação de Sam através da playlist e dos rastros de Hayden do que propriamente na morte do rapaz.
O impacto do início, o personagem que estampa o nome do livro morto entre seus lençóis de Star Wars, gera um mistério que perdura por boa parte da leitura, sustentada pela de dúvida de Sam, que é a mesma do leitor, sobre o quanto esta playlist que Hayden deixou pode realmente ajudar na solução do mistério. Com o desenrolar dos capítulos, a playlist vai e vem, em alguns deles sendo pouco ou quase não mencionada. Nesses casos, ou o leitor é também ouvinte ou sente falta do significado oculto por trás do legado.
Se a história cai em alguns lugares previsíveis da metade em diante e chega ao óbvio no final, num último capítulo quase corrido em meio a justificativas, a forma usada pela autora é interessante e faz com que mesmo os momentos mais fracos possam acrescentar ao leitor uma boa música. O ideal é ler e ouvir.