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Há um interessante laço que estreita os caminhos entre heróis e vilões, e isso fica claro em alguns ótimos exemplares de filmes de super-heróis que são lançados à telona nos últimos anos. Mas, nenhum conseguiu exprimir isso tão bem quanto o excepcional Batman – O Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan, onde nem sempre o personagem principal era visto com bons olhos, mesmo fazendo o bem. E foi com um pouquinho disso que Clint Eastwood construiu a trama de Sully – O Herói do Rio Hudson, onde o salvador de 155 vidas pode não ter sido um mocinho, ou ao menos, não queriam que ele fosse.
O capitão Chesley “Sully” Sullenberger (Tom Hanks) é um experiente piloto de aeronaves que estava apenas em mais um dia normal de trabalho, quando algumas aves atingiram as turbinas de seu avião logo após a decolagem em Nova Iorque. Com muito pouco tempo para analisar as circunstâncias e contando com a ajuda e confiança do co-piloto Jeff Skyles (Aaron Eckart) ele consegue pousar a aeronave no rio Hudson, salvando a si mesmo e as outras 154 pessoas a bordo. O problema é que o sindicato de aviação do EUA considerou sua manobra errônea e o levou a um julgamento interno onde teria de argumentar contra peritos e máquinas.
A história de Sully e seu pouso forçado no rio Hudson é por si só, um roteiro pronto de filmes engrandecedores. Porém, nesse contexto a uma linha tênue que pode o desviar para um lado piegas, com aquele sentimentalismo barato, exaltando a qualidade de benfeitor inquestionável do personagem principal. Entretanto, o roteiro de Todd Kormanicki consegue buscar um pouco daquela referência citada no início, a dualidade que todo herói carrega, um meio termo perigoso entre o certo e o arriscado, mesmo que ambas sejam, como foi, absolutamente necessário.
O que ajuda nessa composição é a forma como o personagem é conduzido por Eastwood. Em momento algum ele entrega para o público (ainda mais aqueles que não conhecem o desfecho) o que teria sido o veredito da atitude de Sully. Tanto que em algumas cenas ele mesmo duvida que sua decisão poderia ter dado fim à vida dele e das outras pessoas que estavam naquele voo. A ordem não cronológica funciona bem, aumentando a tensão sobre uma situação tão delicada. Ponto para a edição primorosa de Blu Murray.
No longa é mostrado também tudo o que compõem a atmosfera de um acontecimento como esse: a superexposição da mídia, os movimentos de bastidores e o comportamento dos familiares do protagonista do ato, tudo orquestrado muito bem por Eastwood menos vigoroso do que de costume, mas com uma leveza pouco vista depois de Menina de Ouro (2004). Tom Hanks é o mesmo ator competente de sempre, o que fica parecendo para o público que ele nasceu atuando, pela forma como entra de cabeça em seus personagens. Uma dupla e tanto de ator/diretor.
Pode ser que, aqui no Brasil, Sully – O Herói do Rio Hudson tenha seu desempenho nas bilheterias prejudicado pelo recente desastre aéreo que vitimou 71 pessoas no voo do time de futebol Chapecoense e comoveu o país. É provável que o público, não queira encarar algo tão dramático envolvendo aviões, mesmo que este tenha tido um final feliz. Mas, o fato é que é um excelente filme, um triunfo de um homem sobre a lógica e a morte, uma prova de que não é preciso seguir a máxima: “Morra um herói ou viva tempo suficiente para ver se transformar em vilão”.