Viajar no tempo รฉ uma constante tentaรงรฃo humana. Depois de uma conversa, quem nunca imaginou queย poderia ter falado isso ou aquilo? Ou anos depois imaginou que uma escolha teria levado a vida para um caminho bem diferente? Ou atรฉ mesmo poder voltar para um momento especรญfico e evitar um trauma como, por exemplo, a morte dos pais? Esse รฉ o primeiro grande trauma na vida do genial James Shaw, um menino que aos 17 anos jรก faz seu doutorado na Johns Hopkins e estuda, embora quase ninguรฉm saiba, formas de transgredir o tempo.
A histรณria de Todos os nossos ontens, no entanto, nรฃo รฉ contada por ele, mas por โduasโ personagens em situaรงรตes diferentes. De um lado temos Marina, a melhor amiga de James, que mora na casa ao lado e tem no incentivo das fรบteis colegas de escola a ajuda para se produzir e se declarar. Ela รฉ o lado chick-lit da histรณria, com dilemas adolescentes de como se declarar para o amigo de infรขncia misturados com modelos de vestidos e cores de esmalte.
A outra narradora รฉ Em, que comeรงa o livro sozinha em uma cela e com uma obsessรฃo estranha: o ralo. Enquanto conversa com o vizinho de cela, que a ajuda na esperanรงa de manter-se viva diante das torturas do doutor e do diretor, consegue, enfim, tirar a tampa daquele ralo. Encontra anotaรงรตes feitas com sua prรณpria letra e instruรงรตes para voltar no tempo quatro anos e tentar impedir que tudo aquilo aconteรงa. O mais grave: todas as anotaรงรตes foram feitas por versรตes suas que falharam em mudar o passado. O livro acompanha mais uma dessas tentativas.
A primeiras pรกginas seguram a tensรฃo com a prisรฃo, os guardas e o interesse no ralo. Do momento da descoberta em diante, os dois contam com ajuda para fugir e viajar no tempo. Numa corrida frenรฉtica para driblar as autoridades e encontrar Cassandra, a mรกquina do tempo, o casal tenta manter-se vivo ao mesmo tempo que descobre peรงas que haviam deixado no passado para ajudar na fuga futura.
No passado, James e Marina se preparam para ir a uma festa e todas as futilidade do mundo cercam os diรกlogos superficiais, mas que acabam por funcionar como caracterizaรงรฃo da personagem-narradora. Da relaรงรฃo conturbada com os pais ao segredo que quer revelar a James, passando pelo desprezo que sente pelo melhor amigo dele, o leitor acompanha sua jornada sem deixar de pensar nos outros dois que viajaram no tempo e estรฃo perto de chegar atรฉ ali.
Quando tudo se aproxima e tiros sรฃo disparados, a tensรฃo percorre toda a obra, diminuindo os espaรงos para as bobagens adolescentes e intrigando pela trama e pelas perspectivas que a mudanรงa de passado pode gerar no futuro. E o paradoxo รฉ sempre a grande dรบvida quando se trata de viagem no tempo. Se eu matar meu eu no passado, como poderei existir no futuro para voltar e me matar? O que acontece quando duas pessoas de tempos diferentes se encontram? Sรฃo dรบvidas colocadas por Cristin Terrill que a perspectiva cientรญfica desenvolvida pelos personagens encontra formas de responder.
Ter um cientista como personagem principal permite que ela explore um dos pontos que a literatura tem de mais ricos: inventar a ciรชncia. Embora esbarre em inevitรกveis clichรชs do gรชnero escolhido, as discussรตes sobre viagem no tempo sรฃo interessantes e as dรบvidas acima, como outras, seguram a curiosidade do leitor diante de situaรงรตes que poderiam dar nรณs na histรณria, mas que a autora conduz bem e nรฃo estraga no final, que รฉ o grande risco nessas tramas de suposiรงรตes.
ร livro para sentar e ler rรกpido, sem muito tempo de reflexรฃo, ou as respostas surgem antes de se chegar ao fim. Embora com o apelo feminino da personagem-narradora, a leitura pode atrair tambรฉm os rapazes porque as emoรงรตes dos garotos tambรฉm sรฃo discutidas, mesmo que do ponto de vista dela. O mais importante รฉ entender que mudar o tempo dรก muito trabalho, Marty McFly e Doc Brown jรก tinham mostrado isso, entรฃo que este livro divirta e sirva de liรงรฃo para quem nรฃo quer arrumar mais problemas.
