120 ANOS DE CINEMA – 1926-1935 | KINOS

O cinema fala! E Greta Garbo tambรฉm. Na dรฉcada do som, a sรฉtima arte mostrou que รฉ malandra: viu a novidade, brincou com ela e aprendeu a usar bem rapidinho. Quando muita gente achou que o som seria a grande revoluรงรฃo, ela mostrou que quem fala sozinho รฉ rรกdio e manteve ousadias visuais, com vรกrias telas ao mesmo tempo, empilhamentos de signos pra investigar assassinatos e animaรงรตes gigantescas. Se os movimentos russo e alemรฃo se enfraqueceram ao longo dos anos, o discurso se mostrou forte em terra de Hitler, a Inglaterra exportou Hitchcock e os americanos beberam de fontes europeias pra requintar a comรฉdia. Aos que ainda duvidavam do poder dessa arte, grandes artistas venceram a barreira do som pra dizer que ficariam por muito tempo.

1926
A General (Clyde Bruckman e Buster Keaton, 1h45โ€™)
082 - General1Como pode uma grande locomotiva ser personagem de um filme? Pergunte a Buster Keaton ou Fernando Fiorese, que fez um paralelo entre o trem e o cinema e como as novas formas de tecnologias podem ganhar (ou fazer o homem perder) caracterรญsticas humanizadas. Keaton enfrenta exรฉrcitos pra atravessar os Estados Unidos e salvar seus dois amores: a locomotiva General e Annabelle. Com poucas cenas de estรบdio e um bom roteiro, sรฃo quase duas horas que nรฃo deixam o espectador piscar, curioso pra saber qual serรก a prรณxima artimanha de homem que nunca ri. Esse tambรฉm รฉ o ano em que o termo โ€˜โ€˜documentรกrioโ€™โ€™ รฉ usado pela primeira vez, por John Grierson, e o som acompanha a imagem em Don Juan, de Alan Crosland, mas ainda com pouco impacto. Porรฉm, com menos do que Fausto, de Murnau.

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1927
Napoleรฃo (Abel Gance, 5h)
082 - NapoleonDezoito meses de filmagem, 450 mil metros de pelรญcula, 18 cรขmeras, um ano de montagem e trรชs telas ao mesmo tempo. A ousadia de filmar a vida de Napoleรฃo vem com um projeto do tamanho da tumba desse governante. O som sรณ entrou no filme em 1934, mas a grandiosidade das imagens, influenciadas por Nascimento de uma naรงรฃo, transcende todas as mudanรงas que a obra sofreu e deixa muita gente ainda de queixo caรญdo. Em termos tรฉcnicos, a grande revoluรงรฃo do ano foi O cantor de jazz, de Alan Crosland (o mesmo que brincou disso no ano anterior), em que o protagonista surpreende por falar uma frase ao final do filme. Com impacto comparado ao da Chegada do trem ร  estaรงรฃo, o filme nรฃo chega a tanto, mas abre portas pro futuro. Sobre isto, e com mais uma reflexรฃo acerca de homens e mรกquinas, estรก Metrรณpolis, de Fritz Lang. Esse ano tambรฉm tem Eisenstein brincando com os ideogramas japoneses em Outubro. As escolhas tรชm ficado difรญceis.

1928
A paixรฃo de Joana dโ€™Arc (Carl Theodor Dreyer, 1h50โ€™)
Sรญntese do que o cinema vivia naquele perรญodo, a obra-prima de Dreyer mistura a origem ao mostrar a forรงa do teatro nas interpretaรงรตes e o porvir ao fazer um filme mudo sobre a palavra. Cenรกrios suntuosos e montagem articulada contrastam com a ausรชncia de maquiagem nos rostos dos atores, fundamental pra cรฉlebre cena da morte de Joana dโ€™Arc, que carrega eternamente o rosto de Renรฉe Falconetti em sua รบltima passagem pelo cinema. Os planos fixos no rosto dela e dos juรญzes misturam tensรฃo e poesia, sem pressa de ficarem cรฉlebres nas retrospectivas da sรฉtima arte. Em contraste, a voz de Walt Disney irrita um pouco quando o rato Mortimer, futuro Mickey, canta em Steamboat Willie, mas anuncia uma nova forma de fazer animaรงรฃo pra quase uma dรฉcada depois. Foi tambรฉm o ano do Quota Act, lei da Grรฃ-Bretanha que destinava parte da bilheteria de qualquer filme exibido no paรญs pra produรงรฃo local.

1929
Um cรฃo andaluz (Luis Buรฑuel, 15โ€™40โ€™โ€™)
082 - Chien andaluzCom um (enorme) toque de Salvador Dalรญ, o filme surrealista por excelรชncia misturou cavalos, pianos e formigas pra mostrar que nem tudo precisa ter coerรชncia pra fazer um grande espectรกculo. Desde a famosa cena inicial, que inclui olho e bisturi (nรฃo viu? veja!), o curta se tornou cรฉlebre em todo o mundo e foi aclamado como a maior obra do gรชnero que a sรฉtima arte jรก viu. Outras surgiram, mas a referรชncia de surrealismo no cinema se mantรฉm. No mesmo ano, Dziga Vertov disse que o cinema deveria ter um carรกter mais cru e exibiu O homem com a cรขmera, mas a montagem de Elizaveta Svilova foi fundamental pra acrescentar os efeitos e as trucagens dessa objetividade. Nos Estados Unidos, finalmente o som vem com classe pro cinema: Melodia na Broadway, de Harry Beaumont, cria o modelo que por muitos anos seria usado nos musicais e Hallelujah, de King Vidor, faz da real participaรงรฃo das vozes a primeira obra-prima realmente sonorizada.

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1930
O anjo azul (Josef von Sternberg, 2h)
082 - Anjo azulโ€˜Marlene sou eu!โ€™, foi o que disse Sternberg quando estava cansado de ouvir elogios apenas a Marlene Dietrich em seus filmes. Foi ele quem, neste filme que mistura expressionismo e naturalismo pra contar a histรณria de um bordel (que existe, pode procurar na internet), mudou partes da histรณria pra destacar mais sua musa Dietrich do que o protagonista Emil Jannings. No duelo de estrelas, Clarence Brown lanรงou Anna Christie, que tinha no cartaz o slogam โ€˜Garbo fala!โ€™, pra dizer que uma das grandes atrizes do cinema mudo tambรฉm era grande no sonoro. Luis Buรฑuel era condenado pela direita francesa, que rasgou telas de Mirรณ e Dalรญ no hall do cinema que promoveu a estreia de Lโ€™รขge dโ€™or, e quem ficou quieto foi o jovem Mรกrio Peixoto, de apenas 23 anos, ao lanรงar Limite, considerado รกpice do cinema mudo no Brasil, elogiado por Eisenstein e Orson Welles, que ainda nรฃo entrou em nossa histรณria.

1931
M, o vampiro de Dรผsseldorf (Fritz Lang, 1h51โ€™)
082 - MInspirado por um artigo de Egon Jacobson, Lang construiu cada quadro deste filme em que a mรบsica รฉ um personagem. Primeiro filme sonoro do diretor, รฉ possรญvel perceber a minรบcia em cada cena, considerando reflexos no espelho ou na vitrine, sombra no poste ou a angustiante bola rolando. Mais do que mรบsicas e falas, o som รฉ um signo autรดnomo e sem ele o filme nรฃo existiria ou, menos ainda, causaria polรชmicas com o tรญtulo, que teve que ser mudado e, pelo menos em portuguรชs, traz um lado ridรญculo a quem nรฃo conhece a explicaรงรฃo. Num dos melhores filmes que o cinema jรก produziu, Lang deixa seu recado e faz pensar, atรฉ hoje, na diferenรงa entre o bem e o mal. Quem preferir o lado mais sensรญvel da telona pode ver Luzes da cidade, de Charles Chaplin, e ao antropรณlogo vai a dica da parceria entre Murnau, em seu รบltimo filme, e Flaherty, que impressionaram o mundo com Tabu. Aos mais politizados, A nous la libertรฉ, de Renรฉ Clair, um reflexo da esquerda francesa no poder, que influenciou Tempos modernos, de Chaplin.

1932
Vampyr (Carl Theodor Dreyer, 1h15โ€™)
082 - VampyrEm alguns lugares a obra carrega o subtรญtulo โ€˜A estranha aventura de David Grayโ€™, que รฉ o personagem principal. Por um lado, os atores tรชm movimentos precisos coordenados pelo diretor, por outro, a cรขmera parece ter vida prรณpria. Ela viaja pelas cenas e por vezes confunde o espectador, pois ora รฉ subjetiva e ora nรฃo. Isso ajuda a gerar confusรตes narrativas que desorientam pelo excesso de sugestรตes do filme, que por vezes deixa de lado a objetividade, tudo contribuiรงรฃo sueca pro cinema atรฉ hoje. Do outro lado do Atlรขntico, Howard Hawks vivia um drama com a censura pra lanรงar Scarface e teve que acrescentar cenas moralizantes. Isso nรฃo impediu que a obra fosse um filme-modelo para o gรชnero gรขngster, apreciado por Al Capone (que disse isso ao diretor) e refilmado dรฉcadas depois por Brian De Palma. E os surrealistas rejeitavam Sangue de um poeta, de Jean Cocteau, alegando que o filme trazia mais uma estรฉtica narcisista que uma revolta. Pelo menos os amadores ganharam o filme de 8mm pra brincar.

1933
King Kong (Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack, 1h44โ€™)
082 - King kongTรฃo importantes quanto os diretores (nรฃo creditados no filme) รฉ Willis Oโ€™Brien, responsรกvel pelos efeitos especiais, ou seja, pelo macaco, sรณ isso. Se os diretores nรฃo queriam ceder ao ator fantasiado pra fazer o grande gorila que conquistou o mundo, quem cuidou das maquetes e miniaturas foi Oโ€™Brien, responsรกvel por coordenar o que acontecia frame a frame durante as filmagens. Durante um ano a produรงรฃo se dividiu entre as miniaturas e as peรงas em tamanho real criadas pra grandes closes, como aconteceu mais de meio sรฉculo depois com Jurassic Park, com a diferenรงa de que o filme de 1933 foi plasticamente inspirado em Gustave Dorรฉ, nรฃo o primeiro desta seleรงรฃo de Kinos. Foi tambรฉm o ano de Zero de conduta, de Jean Vigo, censurado atรฉ 1945, e de um dos melhores curtas de animaรงรฃo feitos por Walt Disney: Os trรชs porquinhos.

1934
Aconteceu naquela noite (Frank Capra, 1h45โ€™)
082 - NY-MiamiA primeira comรฉdia do diretor criou um modelo americano pro gรชnero, a screwball comedy, ou comรฉdia sofisticada com um toque burlesco. Jacques Pinturault e Claude Beylie dizem que a comรฉdia francesa de boulevard encontra o New Deal, numa definiรงรฃo que parece rocambolesca, mas que traz a simplicidade de um quarto de hotel de beira de estrada. Enquanto isso, Jean Vigo mostrava que poesia, mรบsica popular e surrealismo podem se encontrar num documento social, que ele chama de Atalante. Robert Flaherty aperfeiรงoa sua pesquisa ao mostrar a luta do homem contra o mar em O homem de Aran e o cinema didรกtico soviรฉtico se engessa em fรณrmulas conhecidas ou, nas palavras de Vincent Pinel, a poesia vira prosa.

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1935
O triunfo da vontade (Leni Riefensthal, 1h54โ€™)
082 - Triunfoโ€˜โ€˜Mostrei o que todos testemunharam; naquele tempo acreditรกvamos que era uma coisa boa. O pior estaria por vir, mas quem sabia?โ€™โ€™ Foi o que a diretora disse 30 anos depois de marcar o cinema e a histรณria. Ela nunca foi membro do partido nazista, mas teve 30 cรขmeras, um elevador de 38 metros e carta branca pra exaltar o discurso de Hitler e construir uma aula de propaganda que nรฃo pode ser esquecida, sobretudo pra que o conteรบdo nรฃo aconteรงa novamente. Menos preocupante รฉ Uma noite na รณpera, primeira produรงรฃo dos irmรฃos Marx (sem Zeppo) pra MGM e sob o comando de Irving Talberg, que nรฃo รฉ apenas uma cabeรงa dourada na festa do Oscar. Ele era o homem forte do estรบdio e mudou muito do cinema americano com suas audiรชncias-teste e bastante pragmatismo, como o que usou neste trabalho: disse que os irmรฃos deveriam fazer filmes mais estruturados. Motim a bordo tem tambรฉm boas histรณrias: se o diretor Frank Lloyd empolga em um filme que vale pela interpretaรงรฃo dos atores, รฉ o galรฃ (canastrรฃo) Clark Gable quem reclama por tirar o bigode, pois nรฃo havia piratas bigodudos no tempo da narrativa. E Top hat, com Fred Astaire, tem uma das melhores mรบsicas que o cinema jรก tocou.

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