De difรญcil e conturbado entendimento, nas nossas trajetรณrias, โA Mais Pura Verdadeโ รฉ relativa e mutรกvel, transformadora e transformรกvel. Quando achamos que a encontramos, ou pensamos que a compreendemos, a certeza se esvazia. Trata-se do tรญpico โsรณ sei que nada seiโ. Com este pontapรฉ, a histรณria de Dan Gemeinhart, pela Editora Novo Conceito, mostra a jornada de Mark, calcada na constante dualidade de perdas e ganhos, recomeรงos e finais, hesitaรงรฃo e perseveranรงa que a vida sempre apresenta, e teimamos em ignorar.
Apesar de novo e inexperiente, o protagonista jรก experimentou uma gama de sentimentos fortes como medo, vitรณria, raiva e alegrias efรชmeras. Tudo isso se deu devido a um cรขncer agressivo que resolveu voltar, apresentando uma retumbante cartada final. Embora doente, revoltado e desacreditado, ele resolve deixar tudo pra trรกs e partir numa missรฃo final, que รฉ escalar o monte Rainier, em homenagem ร memรณria do avรด. Junto dele, estรก apenas um vira-lata Beau como seu fiel escudeiro.
Assim como Dom Quixote e Sancho Panรงa irrompem num universo irreal, errantes por meio de diversas situaรงรตes grandiosas; a dupla garoto e animal, tรฃo ligada, fiel e frรกgil, passa por inรบmeros percalรงos, verdadeiros e palpรกveis, numa jornada extremamente capciosa, quiรงรก quimรฉrica. Para tanto, a narrativa tem uma estrutura bem interessante, diferente. Todos os capรญtulos se dividem em dois.
O primeiro, por exemplo, traz, conforme se espera, o nรบmero respectivo e a informaรงรฃo adicional de quantos quilรดmetros separam Mark do topo da perigosa montanha. Em primeira pessoa, esta parte รฉ focada nos problemas e nos entraves pelos quais o protagonista passa, tais como desconforto, nรกusea, roubo, agressรฃo, revolta, frio, fome, um rio caudaloso, falta de dinheiro e de cordialidade. Muitas reflexรตes sรฃo desenvolvidas, em todo o percurso, enquanto ele รฉ tremendamente castigado.
Alรฉm desse momento, antes de passar para o seguinte, surge o capรญtulo metade, isto รฉ, tem o โ1 ยฝโ, o โ7 ยฝโ, e por aรญ vai. Nestes pequenos enxertos, surge Jess, a melhor amiga de Mark, que nos apresenta o drama, a ansiedade e a inรฉrcia de quem fica esperando por notรญcias. No caso dela, perdura a estagnaรงรฃo de saber onde ele estรก, mas nรฃo poder contar, tamanha รฉ a cumplicidade entre ambos. Os trechos, em terceira pessoa, sรฃo pequenos. No entanto, auxiliam a entender o por trรกs da histรณria de superaรงรฃo. No final, um interessante ciclo se fecha ao entendermos o papel dela na concepรงรฃo dessa narrativa quebrada.
Em relaรงรฃo ao teor dos acontecimentos, em alguns momentos, a trama parece rasa demais, atรฉ mesmo implausรญvel. Essa รฉ uma verdade que nรฃo cansa de transcender no inรญcio. Vencida a estranheza da situaรงรฃo (um adolescente doente e abatido, com um cachorro dentro de uma bolsa, percorrendo quilรดmetros), torna-se natural nosso envolvimento com a necessidade gritante de Mark em ser dono de um รบltimo capรญtulo de sua vida, para, entรฃo, perceber a pulsaรงรฃo e o desejo por outros mais.
Em razรฃo de o protagonista se pacificar com o percurso, infelizmente, nรณs, leitores, somos privados de um fechamento. Este, infelizmente, nรฃo vem. Hรก catarse e expiaรงรฃo diante da montanha, sem glorificaรงรฃo, perda, salvaรงรฃo ou encerramento a respeito do mal maior que assola Mark. Para nossos dois herรณis, uma vez que a atuaรงรฃo e a dignidade do cachorro o elevam a um simples escudeiro, fica faltando uma conclusรฃo a fim de possibilitar um recomeรงo. Talvez seja um receio do autor, relativo aos leitores jovens como pรบblico-alvo, em escancarar a mais pura verdade do ser humano. Tudo morre; tudo, um dia, tem de terminar.