Uma boa ideia é o ponto de partida para qualquer bom filme. Se a ideia não é tão boa, o trabalho para conseguir tirar dela um bom filme é muito grande, muito caro e nem sempre, por mais prognósticos que se trace, o resultado é satisfatório. E aqui falo de público e crítica, ou seja, caminho de tijolos de ouro para filmar outra ideia. Essa boa ideia pode vir de um livro, de um fato cotidiano, de um momento histórico ou de trás da orelha, o importante é ela surgir e se organizar na mente de alguém que saiba o que fazer com ela.
O passo seguinte é a construção de um bom argumento, termo com duplo significado: ao mesmo tempo que conta com objetividade a história a ser filmada, é também a moeda de troca nas transações financeiras, pois um bom argumento seduz um produtor. Esse argumento pode se tornar a base para (a) um bom filme, (b) uma trilogia com o terceiro episódio dividido em dois ou (c) morrer na gaveta de alguém. A base do bom argumento, claro, é uma boa ideia.
De argumento defendido, vamos ao roteiro, sobre o qual se debruça um exímio escritor, conhecedor de apresentação, plot, desenvolvimento, peripécia, fábula, turning point, clímax, anti-clímax e final feliz, para romper com ele. Essa pessoa pode ser um mago das palavras e trazer um argumento ruim para o lado bom da força, mas também pode ser uma besta, o que leva à sua substituição porque (a) não está fazendo um bom trabalho, (b) não está fazendo o trabalho no prazo ou (c) não está fazendo o trabalho que alguém que o contratou quer que ele faça. E de duas ou muitas mãos se faz um roteiro, a partir da boa ideia.
Alguém tem que filmar o roteiro e esse é um trabalho humano. Quem vai dirigir, fotografar, maquiar, vestir, decorar, enfim, tirar as descrições do papel deve saber exatamente sua função no enorme batalhão de construtores do filme. Todos devem conhecer o roteiro, os detalhes de cada cena, as pretensões da história para cada personagem e o posicionamento estético disso em todo o jogo. Mesmo se cada um cuidar da sua parte adequadamente, o filme pode (a) seguir para a próxima etapa, (b) atropelar-se em discussões ou (c) morrer nessas discussões. Isso, mesmo com uma boa ideia.
A etapa seguinte inclui egos, digo, atores. São também seres humanos, mas nem sempre se lembram disso, o que costuma gerar conflitos nas etapas de filmagens. Por isso, escolher o elenco é questão delicada, porque deve considerar (a) a adequação dos atores aos papéis, (b) a capacidade de cada ator fazer o filme crescer e (c) a possibilidade da equipe resistir aos seus chiliques, quando há (existem atores bons, mesmo entre os bons atores). E um dos pontos mais importantes para que tudo dê certo até aqui? Uma boa ideia capaz de conquistar a todos.
Filme filmado não é filme montado. Alguém deve sentar com aquele monte de imagens e escolher as melhores, pensando em ritmo, luz, som e coerência, além do continuísmo, muitas vezes com problemas na linha de produção. Essa equipe pode fazer de tudo que deu certo até aqui (a) um gigante e fenomenal trabalho cinematográfico, (b) uma obra mediana como foi o material que recebeu ou (c) uma bomba capaz de jogar no lixo talentos, cenas perfeitas e boas ideias. A equipe bem azeitada deve funcionar até o último instante, que ainda está por vir.
O filme vai para o público, passando por distribuidores, exibidores, imprensa e canais oficiais de divulgação. Do comentário da equipe ao slogan da campanha, cada detalhe faz parte de um grande conceito fundamentado pela ideia inicial. Ainda assim, aquele filme feito com tanto carinho pode (a) cair nas graças do povo, (b) passar como um trem que não para na estação ou (c) virar chacota. Tudo consequência da boa ideia e de como foi trabalhada.
Tudo começa com a boa ideia, mas não acaba nela. Quando a ideia for realmente boa, pense bastante antes de levá-la adiante, porque ela precisa ser boa até o final, conquistar a equipe e manter a energia por todas as fases, até chegar ao público. Se tiver uma boa ideia, você pode (a) escondê-la do mundo e guardá-la só para você, (b) lapidar, refletir, discutir por muito tempo e tirar dali um bom filme ou (c) fazer Boyhood.