A tecnologia ajuda e atrapalha o cinema ao mesmo tempo. Se o steadycam começa a ser testado pra se tornar, em pouco tempo, a principal ferramenta acrescentada à produção nas últimas décadas, a televisão ganha um grande parceiro pra manter as pessoas em casa: o videocassete. Pra segurar as salas de projeção cheias, os estúdios gastam cada vez mais, o que gera movimentos contrários e buscas por produções alternativas. A mesma caixa luminosa que roupa público serve de laboratório pra jovens aprendizes, assim como objeto de reflexão pra construção de histórias.
1966
Persona (Ingmar Bergman, 1h25’)
Em 1966, Orson Welles dirige Falstaff, baseado no texto de William Shakespeare, e diz uma das maiores verdades sobre o bardo inglês: ele é um exímio roteirista de cinema. Em 1966, A grande escapada, de Gérard Oury, se torna a maior bilheteria da história da França, superada apenas por Titanic, décadas depois. Em 1966, Três homens em conflito, de Sergio Leone, leva ao ápice o western spaghetti, com destaque pra Clint Eastwood. Em 1966, Truffaut viaja ao futuro (distante então, mas nem tanto hoje) ao adaptar Fahrenheit 451, livro de Ray Bradbury, e influenciar Kubrick pro filme de 1971. Em 1966, Roberto Rosselini filma O absolutismo: a ascensão de Luís XIV, seu primeiro filme didático pra TV. Em 1966, Bergman lança Persona, uma obra-prima do silêncio.
1967
Blow up (Michelangelo Antonioni, 1h51’)
Com o romântico subtítulo ‘Depois daquele beijo’, a obra inglesa do italiano é uma reflexão sobre a imagem. Se bastasse ao fotógrafo apertar o botão, ele jamais analisaria o trabalho que o envolveria numa trama de assassinato, lição sobretudo no momento atual, em que tirar retrato é automatismo pra esfriar comida. Arthur Penn muda a cara da violência no cinema ao matar Bonnie e Clyde (subtítulo eufemístico ‘Uma rajada de balas’) com o sangue saindo dos corpos que levam os tiros. Como ele disse, o público não queria mais ver o personagem vivo, um corte na cena e depois ele morto com maquiagem de sangue. Nessa linha do ‘desaconselhável para menores’, Luis Buñuel mostra A bela da tarde Catherine Deneuve e Mike Nichols ensina Dustin Hofman como deve ser A primeira noite de um homem.
1968
2001, uma odisséia no espaço (Stanley Kubrick, 2h22’)
Num tempo muito distante, um computador mais inteligente que os astronautas os guia em uma missão espacial. Neste sensacional documentário sobre o futuro, Kubrick gerou um novo padrão pra ficção científica. Usando efeitos e maquetes com segredos que o diretor não gostava de revelar, a obra é, nos dizeres de Jacques Goimard, o primeiro filme desde Intolerância que é ao mesmo tempo uma superprodução e um filme experimental. Mais uma ode ao silêncio no tempo dos ruídos televisivos. É pela ausência que Roman Polanski cria a angústia de O bebê de Rosemary. Com apenas sugestões no lugar de efeitos especiais, o diretor jamais mostra o bebê dessa história aparentemente banal, mas que enlaça o espectador a cada instante. Mais envolvido que ele, apenas o visitante de Teorema, de Pasolini.
1969
Easy Rider (Dennis Hopper, 1h34’)
Quando Hollywood brigava com os orçamentos gigantescos pra colocar grandes produções na telona e lotar as salas pra bancar os custos, a Nova Hollywood queria experimentar sem pagar caro. O mais representativo desses longas é Sem Destino, ou Easy Rider, como todos o chamam, mesmo que toda a produção tenha sido mesmo sem um destino específico. Em meio a brigas entre os protagonistas e a presença indesejável/nula de Jack Nicholson, o longa é o principal exemplo de road movie e tornou-se cult num momento em que o cinema carecia de algo espetacular. Quando as repetições começam a se instaurar nas telinhas, Éric Rohmer a mantém na telona ao apresentar Minha noite com ela, um de seus seis contos morais que utiliza a mesma motivação em todas as histórias, todas com variações apropriadas.
1970
O garoto selvagem (François Truffaut, 1h25’)
Civilizar é uma palavra complicada. Encontrar um menino de 12 anos no meio da mata e descobrir que ele não fala ou anda pode gerar diversas reações, sobretudo a de querer civilizá-lo. Truffaut mostra uma sensível história sobre educação, palavra mais requintada, em que o próprio atua, ou, em suas palavras, dirige de outro lado da câmera. Tão instigante quanto a história é a fotografia em preto e branco. Robert Altman leva ao público a comédia M.A.S.H., proibido na Coreia, onde se passa a história. O filme se tornou série de TV e peça de teatro, façanha pra poucos até então. Enquanto isso, o mundo assistia a Aeroporto, marco do chamado filme-catástrofe. Este ninguém proibiu.
1971
Laranja mecânica (Stanley Kubrick, 2h16’)
A adaptação quase integral do livro de Anthony Burgess é uma bengalada no saco do espectador ao som Singin’ in the rain. A juventude autista que cria suas próprias regras ignora os valores da sociedade em busca de diversão e precisa do tratamento Ludovico pra voltar ao prumo aceitável. Funciona? Ao frenesi dos veks se contrapõe a paixão do protagonista de Morte em Veneza, de Luchino Visconti, adaptado do Nobel Thomas Mann. Filme de poesia nos enquadramentos e nas luzes, distante do que o jovem Steven Spielberg faz com seu tenso longa pra TV Encurralado. A televisão começa a oferecer caminhos pro cinema ao invés de apenas brigar com ele.
1972
O poderoso chefão (Francis Ford Coppola, 2h55’)
Surge um novo parâmetro pro cinema de gângsters. A trilha felliniana de Nino Rota se soma à direção sem medo de um dos jovens promissores do cinema americano, a história familiar de Mario Puzo dialoga com a fotografia de Gondon Willis (que depois se tornou fiel companheiro de Woody Allen), a interpretação de Al Pacino confronta o ícone Marlon Brando, então com 42 anos, mas impecável como patriarca. A direção opunha os egos dos atores, por isso o resultado alcançado. Brando protagoniza, no mesmo ano, o gastronômico Último tango em Paris, respeitando o principal ingrediente da cozinha local: a manteiga. Da Suécia vem Gritos e sussurros, de Bergman, que o diretor considera como seu único filme que não pode ser visto em preto e branco. O longa é, claro, bem mais do que a cenografia vermelha.
1973
Noite americana (François Truffaut, 1h56’)
Este é o filme must watch pra entender a sétima arte. Desde o primeiro plano-sequência é possível perceber o quanto Truffaut domina o que faz, a ponto de atuar e explicar o que é o cinema numa só cartada, e isso inclui os conflitos humanos dos bastidores. Nada daquilo é exagero, pode acreditar. Fellini se permite o limite, caso ele exista, com Amarcord, uma sensacional e divertida história de poucos pudores e muitos absurdos. Scorsese apresenta sua visão de violência em Mean Streets e Friedkin explica o que é fazer terror com O exorcista. A grande novidade comercial é Emmanuelle, paradigma do grande mercado de pornografia.
1974
Chinatown (Roman Polanski, 2h11’)
O cinema noir criou seu padrão algumas décadas atrás, mas a luz da Califórnia ajudou a construir traços diferentes neste trabalho de Polanski. O nível de violência é tanto que o próprio diretor cortou o nariz de Jack Nicholson numa cena em que contracenavam. A intensidade do ator é tanta que o esparadrapo não chama mais atenção que seu olhar. Wim Wenders, diretor adorado no mundo cult, cria uma versão de road movie europeu com uma jornalista e uma menina em Alice nas cidades. Mel Brooks lembra Marx (um evento é trágico da primeira vez e farsesco quando se repete) ao trazer os clássicos de terror da Universal na sátira O jovem Frankenstein.
1975
Tubarão (Steven Spielberg, 2h04’)
Filas nas entradas do cinema era o que todos os produtores queriam e o conceito de blockbuster (arrasa-quarteirão) tem em Steven Spielberg, desde então, seu midas. Abusando de câmeras subjetivas e de partes do monstro marinho, o diretor concentra a tensão no não visto (como o bebê de Polanski) e na câmera subjetiva, como exercitou em 1971. Empilhamento de subjetividades acontece na instituição de Um estranho no ninho, obra-prima de Milos Forman e show de atuação de Jack Nicholson, que valeu ao filme 12 anos de exibição ininterrupta na Suécia, recorde até hoje. Stanley Kubrich usa objetivas Zeiss com f 0,7, a maior abertura possível, pra conseguir a ambientação de Barry Lyndon. Velas são suficientes pra iluminar o set, menos coloridos que os espetáculos paralelos de música e política de Robert Altman em Nashville.