Muitos dos filmes que aparecem logo abaixo ainda estão ou saíram faz pouco tempo das salas de cinema, por isso não tiveram sequer a oportunidade de ter obras influenciadas por eles. Até o texto anterior, ou um pouco antes, havia o respaldo de estudiosos e das teorias do cinema, mas agora resta a confiança nos críticos e na intuição. Quando você estiver lendo esta década, provavelmente, como fez nas anteriores, vai concordar ou discordar de alguns dos longas escolhidos. A proposta é essa mesmo e assim que terminar de postar vou ler tudo e me questionar novamente.
2006
Babel (Alejandro González Iñárritu, 2h23’)
Teve até briga entre roteirista e diretor pra saber de quem era a história, um grande nó entre quatro famílias em diferentes lugares do mundo. Um caos, como a comunicação no mundo de hoje. Sobre este assunto, associado à privacidade, convém ver A vida dos outros, longa em que público e privado se misturam por vezes de modo inconsequente, como tem sido feito pelo poder judiciário brasileiro. Por trás de tudo, sempre existem Os infiltrados, mais uma bola dentro de Scorsese, num jogo de lados opostos que precisam um do outro, como ocorre em O grande truque. As histórias podem ser complexas e também visualmente interessantes, como em O labirinto do Fauno e na peculiar paleta de cores de Os fantasmas de Goya.
2007
Os falsários (Stefan Ruzowitzky, 1h38’)
Guerra se faz com (e por) dinheiro, muitas vezes sinal de poder. Quando não se consegue vencer por vias legais, o jeito é fabricar o próprio dinheiro. Os nazistas sabiam disso e abrigaram falsificadores em seus campos de concentração, assim poderiam fabricar moeda e negociar com todos os mercados (ou acha que um inimigo não negocia com outro debaixo dos panos?). Tão cruel quanto é o protagonista de Onde os fracos não têm vez, mais uma sopro de inspiração dos irmãos Cohen, com interpretação friamente incômoda de Javier Bardem. O mundo latino-americano do crime mostra que a favela precisa da Tropa de Elite pra dar conta dos bandidos e o México só se protege quando cria A zona, que pode ser invadida numa noite tempestuosa. Das histórias em quadrinhos vem a adaptação Persépolis, que leva à França a menina que quer estudar, mas é impedida pela rigidez do Irã. Ela não encontra o simpático protagonista de Ratatouille, ou gritaria.
2008
A onda (Dennis Gansel, 1h47’)
Um professor faz a experiência com os alunos pra explicar como funcionava o discurso nazista. Esse é o fato, não estamos falando da mídia de hoje. Em 1981, Alex Grasshoff fez um média pra televisão americana com a história, que só ganhou versão pra telona na Alemanha tantos anos depois. Outro discurso recorrente no mundo das polêmicas é o da pedofilia na igreja, tratado com sutileza e excelentes interpretações em Dúvida. A questão ambiental e a saúde humana são abordadas, primeiro com seriedade e depois de forma mais infantil, em Wall-E, um filme meio mudo meio gordo da Pixar. Fernando Meirelles entusiasmou Saramago ao filmar Ensaio sobre a cegueira e a Marvel começa a maior festa dos heróis do cinema com Homem de ferro, seguida de O incrível Hulk no mesmo ano e que não acabou até hoje. Os quadrinhos da editora é que vão de mal a pior desde então.
2009
Millenium (Niels Arden Oplev, Daniel Alfredson, 2h32’ + 2h09’ + 3h05’)
São três filmes, mas do mesmo ano, por isso essa forma diferente na lista. Adaptados da intrincada trilogia de Stieg Larsson, foram criados pra televisão sueca e conseguiram, entre cortes e escolhas, entusiasmar mesmo os fãs da versão literária. O jornalista Mikael Blomkvist voltou à cena em 2011, sob tutela de David Fincher, também sem deixar na mão o admirador da trama (que carece dos outros dois filmes…). Complexa como essa trama política é a cabeça de Terry Gilliam, pai do insano O mundo imaginário do Doutor Parnassus. O diretor sequer se abalou quando perdeu o protagonista, Heath Ledger, pro Coringa: colocou um monte de atores diferentes pra viver o papel. Avatar mudou a cara do 3D e fez aumentar os ganhos de Hollywood com a dilatação no preço dos ingressos e Quentin Tarantino foi até a Segunda Guerra com Bastardos inglórios pra mostrar que não sabíamos de nada.
2010
Cisne negro (Darren Aronofsky, 1h48)
Neste ano de porradas, vamos começar com o exercício psicológico de Aronofsky e Natalie Portman, tão intenso que Vincent Cassel se sentiu isolado do jogo, fundamental pra tudo funcionar. Desde então Tchaikovsky se associou de tal forma às imagens que não para de tocar na rádio-cabeça. Na cabeça é onde acontece a parte principal de Origem, de Christopher Nolan, capaz de mudar os sonhos como desde Freddy Krugger não vemos no cinema. Homens e deuses mostra o contraste entre o trabalho de devoção e o fundamentalismo quando a pólvora faz parte da discussão e Biutiful angustia o espectador por outra guerra, a do personagem de Javier Bardem contra a morte, uma luta que ele quer ter sozinho.
2011
Meia-noite em Paris (Woody Allen, 1h40’)
Quando Hemingway disse que Paris é uma festa se referia a essa cidade da meia-noite de Woody Allen. Artistas de diversas áreas trocando experiências, discordando e se apoiando numa pluralidade quase renascentista de possibilidades que abriram a cabeça do século. Em meio a isso, um sujeito deslocado no tempo e no espaço, mas que busca se encontrar (e os surrealistas são fundamentais, numa das melhores cenas do filme). O país dos irmãos Lumière divertiu e comoveu o mundo com a amizade de Intocáveis, chamou pra discussão de gênero com Tomboy e mostrou que também é a pátria de Méliès, personagem de A invenção de Hugo Cabret, homenagem de Scorsese ao prestidigitador. Ano da França em Hollywood? Da Europa, porque Meryl Streep incorporou A dama de ferro e Almodóvar foi à ficção científica mostrar A pele que habito.
2012
Amor (Michael Haneke, 2h07’)
Uma boa história pode ser simples, humana e caber dentro de uma casa. As emoções é que extravasam o peito e encontram um primor europeu com o talento do elenco nas mãos de um diretor sem pressa. As pausas mostram a dificuldade pra respirar fundo e tocar a vida diante das dificuldades e a câmera espera, onde quer que seja, até que a ação venha até ela. O teatro vai à telona com a versão do musical Os miseráveis, inspirado na obra de Victor Hugo, e nas soluções nascidas ‘do baixo orçamento’ de Joe Wright pra Anna Karenina, de Leon Tolstoi. Em diálogo com a telinha e seu potencial político, o chileno No deve estar na lista dos obrigatórios de hoje em meio à inconsistência política brasileira, e deve ser visto com senso crítico, ou o espectador cai na armadilha em que vive. Ainda na política, Daniel Day-Lewis respira como Lincoln e Ben Affleck mistura Hollywood com Oriente Médio em Argo.
2013
Rush (Ron Howard, 2h03’)
Com mais um subtítulo fantástico, No limite da emoção não é apenas uma história de corrida: é um dos maiores conflitos das pistas da Fórmula 1, categoria maior do automobilismo mundial. Niki Lauda e James Hunt, duas personalidades antagônicas, acabam se aproximando e se admirando pelo ímpeto que cada um leva às pistas durante a carreira. A de Hunt já terminou, mas Lauda continua na ativa e no dia em que este texto vai pro ar a Mercedes, equipe em que trabalha, venceu a primeira corrida da temporada. Scorsese mantém o senso de humor com O lobo de Wall Street, sobretudo na sequência que começa no telefone e continua pela escada, pelo carro e pra depois do filme. O longa Ela é um claro retrato de como a solidão atual pode ser problemática e a chilena Glória, sabendo disso, não quer ficar sozinha.
2014
Birdman ou (A inesperada virtude da ignorância) (Alejandro González Iñarritú, 1h59’)
O Oscar acertou e o César de estrangeiro também. Com longos planos-sequência bem articulados, como Iñarritú gosta, essa história do fantasma que assombra um ator midiático é recorrente, mas sentida apenas nos bastidores. Neles, o ator esbarra com várias camadas de problemas, dos psicológicos e pessoais até os de ego e de produção do show business. Tudo numa bateria em ritmo de jazz. Whiplash? Sim, outra obra de respeito sobre testar os limites, que podem causar danos quando ultrapassados. Destaque pra interpretação de J. K. Simmons, mais precisa que o metrônomo. Wes Anderson mantém as cores saturadas e o roteiro esquizofrênico em O Grande Hotel Budapeste, a Argentina impacta com a realidade de Relatos selvagens e o Brasil tem um olhar diferente pro amor com Hoje eu quero voltar sozinho.
2015
Cemitério do esplendor (Apichatpong Weerasethakul, 2h02’)
Neste filme com pouco mérito em Cannes, o diretor tailandês vai mais longe do que no vencedor de 2010, Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas. A crítica ao militarismo que toma conta do país é mostrada através dos sonhos de um dos homens internados no hospital construído onde havia um cemitério ancestral. Menos indireto é Spotlight, exemplo do bom jornalismo e das dificuldades da profissão. A pauta remete ao documentário Mea Maxima Culpa: Silêncio na casa de Deus, produzido pela HBO em 2012. Minha mãe, de Nanni Moretti, leva os esforços pra superação de fracassos pessoais ao set de filmagem, onde inevitavelmente entram os problemas humanos. Michael Fassbender protagoniza dois reis (Macbeth e Steve Jobs) e a França lida com diferentes sociedades: na co-produção turca Mustang, com a rigidez pra educação feminina na tradição muçulmana, em Marguerite, com o divertido diálogo entre obsessões e mentiras numa sociedade incapaz de perceber que a verdade poderia ser música aos ouvidos.
2016
Por enquanto é Deadpool… Calma, foi ele quem mandou eu escrever isso!